A
OUSADIA SEM LIMITES DE NELLIE BLY
Desde
a adolescência, ela sonhava em ser escritora. Mas sua coragem e rebeldia a
levaram a inventar o “jornalismo
investigativo”, incomodar poderosos e se tornar uma lenda viva da imprensa
internacional em pleno século 19, época em que lugar de mulher era quietinha em
casa cuidando da família.
Para
que servem as mulheres? O título do artigo publicado numa
edição de 1882 do jornal Pittisburgh Dispatch atraiu
a atenção da adolescente de 18 anos que sonhava em ser escritora.
Ao terminar a leitura estava
tão indignada com o machismo do autor que mandou uma carta de protesto ao
editor chefe do jornal. Apesar dos errinhos de gramatica, George Madden ficou
impressionado com o estilo e a audácia da moça, que assinava Orfã Solitária, e
quis conhece-la.
O encontro aconteceu dias
depois e Elizabeth Jane Cochran foi imediatamente contratada como repórter.
Por sugestão do próprio
editor, trocou o nome para Nellie Bly
(personagem de uma canção popular na época).
E nos 40 anos seguintes
mostraria ao mundo do que as mulheres eram capazes ao se tornar a primeira
celebridade internacional do jornalismo americano.
O emprego de Elizabeth deve
ter sido um choque para a mãe dela. Mesmo “protegida” por um pseudônimo, aquele
estava longe de ser um trabalho apropriado para uma jovem bem nascida, filha de
juiz. Logo sua princesinha que desde pequena só vestia de cor-de-rosa e era
chamava de Pink. Talvez a senhora Mary Jane Cochran tenha atribuído a intempestiva
decisão da moça aos problemas financeiros que a família enfrentou depois que
seu marido morreu, deixando-a com dívidas e 15 filhos para criar.
A mimada Pink tinha 6 anos
na ocasião e, de uma hora para outra, seu estilo de vida mudou a ponto de ser
obrigada a cuidar dos irmãos mais novos. Mas os biógrafos de Nellie Bly tem
outra explicação: diferentemente de sua mãe, ela estava decidida a jamais
depender de um homem.
Forte evidencia disso seria
a primeira matéria da nova repórter do Pittisbugh
Dispach, denunciando o grave desamparo legal das mulheres casadas e separadas
e, reivindicando mudanças nas leis.
Injustiças sociais de
maneira geral, e em especial as cometidas contra as mulheres, eram o tema
preferido de Nellie, que não se contentava em escrever o que os entrevistados
lhe contavam. Queria ver e sentir na pele. Fazer, enfim, o que hoje é conhecido
como jornalismo investigativo – e que,
antes dela, ninguém tinha feito.
Para escrever a segunda
matéria, virou operária de fábrica e expôs as péssimas condições de trabalho
dos “colegas”, os baixos salários e a exploração de mão de obra infantil.
A aparência miúda e frágil de Nellie
Bly, inspirava confiança.
Baixinha, cara de menina, ótima ouvinte, cheia de
empatia, sua aparente fragilidade inspirava confiança. Trabalhar disfarçada
para conseguir furos de reportagem virou sua especialidade. Acabou se tornando
um problema quando empresas incomodadas com os métodos daquela mocinha
intrometida ameaçaram suspender os anúncios no jornal.
A solução do editor foi
transferir a repórter para a cobertura de eventos sociais. A resposta foi tirar
uma licença de três meses, viajar para o México, escrever sobre a pobreza e a
corrupção da polícia local e acabar expulsa pelo governo mexicano.
Voltar para casa em
Pittsburgh? Nem pensar. Era Setembro de 1887 e, com apenas 23 anos, Nellie Bly
já tinha o tipo de currículo capaz de interessar ao jornal sensacionalista New York World, de Joseph Pulitzer.
Foi mais complicado convencer
os seguranças a permitir sua entrada no escritório do editor-chefe do que
convencer o próprio John Cockerill a
contrata-la.
Como de hábito, passara o
domingo anterior anotando possíveis temas de reportagens. Entre eles, naquele
que seria a sua estreia no novo emprego; fingir-se de louca e ser internada no
manicômio para mulheres da ilha de Blackwell, em Manhattan. Durante dez dias
(até ser libertada pelos advogados do jornal), conviveu com enfermeiras
abusivas, dormiu em camas infectadas de percevejos, recebeu “tratamento médico” mais parecido com tortura,
alimentou-se com comida estragada e descobriu que muitas pacientes saudáveis só
estavam ali porque a família queria se livrar delas (caso de uma esposa infiel
declarada maluca pelo marido traído).
A matéria provocou uma
devassa no sistema de saúde-mental americano, foi publicada também em livro (Dez Dias num Hospício) e tornou Nellie
uma estrela nacional. Mas por que não ser também uma celebridade internacional?
Em suas memórias, a audaciosa jornalista garante que foi dela a ideia de bater
o recorde de Phileas Fogg, personagem de Julio Verne no romance A Volta ao Mundo em Oitenta Dias. É
fato, porém, que a direção do New York
World queria mandar um repórter homem, alegando que uma mulher jamais tinha
se aventurado sozinha em viagem tão longa e que precisaria de mais bagagem.
Ameaçando fazer a volta ao mundo para o jornal concorrente, Nellie ganhou a
discussão. Às 9h40 de 14 de Novembro de 1889, embarcava no vapor Augusta
Vitória levando apenas uma valise. Usava um casaco de corte masculino, gorro e
botas, que se tornaram sua marca registrada.
Foto de 1890, nesse ano, ela concluiu a volta ao mundo,
seguindo o mesmo roteiro de Julio Verne.
O roteiro seguido foi o
mesmo descrito no livro de Verne, passando por Inglaterra, Itália, Egito, Japão
e China, com uma rápida parada em Amiens, na França, para conhecer e
entrevistar o escritor. Foi o único momento da carreira em que confessou
insegurança: quando Verne foi recebe-la na estação de trem levando um buquê de
flores: “Senti o mesmo que teria sentido qualquer mulher nessa situação,
preocupada se estaria com o rosto sujo de fuligem e despenteada,”
Nos Estados unidos, os
leitores corriam às bancas de jornal para acompanhar essa e outras histórias
que a viajante mandava todos os dias.
Na redação, toneladas de cartas
chegavam (algumas com pedidos de casamento) e cerca de 1 milhão de pessoas
participaram do concurso lançado pelo New York World tentando adivinhar quanto
tempo sua estrela maior levaria para dar a volta ao mundo. Ninguém acertou.
Nellie voltou no dia 25 de janeiro de 1890, depois de exatos 72 dias, seis
horas, 11 minutos e 14 segundos de viagem.
Nada parecia impossível para
ela. Difícil de acreditar que foi a notícia de sua aposentadoria, em 1895, no
auge da fama. E por um motivo que seria perfeitamente natural em se tratando de
qualquer outra mulher da época: Nellie Bly ia se casar. No dia 5 de Abril,
tornou-se a senhora Robert Livingston Seaman
O marido, um milionário da indústria
de aço 40 anos mais velho, foi aprovado pela sogra. Já a família dele não
aprovou a noiva. Discreta na vida pessoal, pouco se sabe sobre seus nove anos
de casamento, além de boatos de que não teriam sido felizes. Mas certamente não
abalaram seu caráter ou suas convicções. Ao enviuvar, assumiu o comando das
empresas do marido e implantou mudanças radicais: diminuiu a jornada de
trabalho, construiu um centro recreativo e uma biblioteca.
Além de clubes de caça e
pesca para todos os empregados. A intenção era das melhores; o resultado;
porém, foi a falência. Ao embarcar para a Inglaterra em 1914, seu objetivo era
se afastar durante algumas semanas dos problemas financeiros.
Sem saber, ia ao encontro de
notícia. Estava na Europa quando o império Austro-Húngaro declarou guerra à
Sérvia, conflito que daria inicio à primeira Guerra Mundial. Foi o suficiente
para Elizabeth Jane Livingston Seaman voltar a ser Nellie Bly, logo estava no
front como correspondente, a única repórter mulher no campo de batalha.
Ao lado de um oficial austríaco, durante
a primeira Guerra Mundial, única correspondente de guerra mulher.
Apesar de afastada tanto
tempo do jornalismo sua fama continuava viva onde menos se esperava. Presa pela
polícia húngara, confundida com uma espiã inglesa, foi solta depois que um interprete
a reconheceu e explicou aos policiais que “na América até uma criança de 7
anos sabia quem era Nellie Bly”.
Hoje as crianças que brincam
no pequeno parque de diversões no Brooklyn que tem seu nome não fazem ideia de
quem foi ela. A história do jornalismo e dos direitos femininos devem muito a essa
mulher, que foi repórter até o ultimo minuto de sua vida. Morreu de pneumonia
às 8h35 da manhã de 27 de Janeiro de 1922, quatro meses antes de fazer 58 anos.
Obs.; O lançamento desta nova seção do blog ter ocorrido hoje no "Dia Internacional da Mulher", foi mera coincidência, pois não gosto dessa história de dedicar um dia a mulher, ao negro, enfim a qualquer coisa, pois o dia da mulher deve ser todos os 365 dias do ano, onde elas devem ser respeitadas em seu direito e dignidade; e não só um dia de homenagem, assim como o respeito a todo ser humano, seja qual for o seu gênero, raça, religião, preferência política e preferência de qualquer esporte que venha a admirar.
Sabino
Muié porreta, sô! Muito Legal...
ResponderExcluirMas passei pra dar uma notícia triste: Paul Ryan faleceu ontem, dia 7. Não sei se vc já sabia...
Olá amigo Javé, realmente uma triste notícia, a perda deste grande ilustrador dos quadrinhos e do Fantasma.
ExcluirÓtima matéria!
ResponderExcluirJá tinha ouvido falar em Nellie Bly, mas nunca com tanta riqueza de detalhes.
Sua história é um ótimo exemplo para os jornalistas de hoje em dia, em grande parte limitados a apresentar uma versão bem simplista dos fatos. Caco Barcelos, criticando essa postura profissional, usa o termo "jornalismo declaratório", que é quase um diz-que-diz, sem grandes apurações do que se noticia.
Mas felizmente ainda encontramos jornalistas que compartilham do espírito investigativo de Bly.
PS. Apenas uma pequena correção. Houve um erro de digitação quando foi citado o nome de Joseph Pulitzer.
Valeu amigo MF, grato por seu comentário
ResponderExcluirAbraço
Sabino